“Ih, lá vem essa chata de novo.”
Já falei um pouco sobre feminismo aqui, mas este é o tema do Rotaroots deste mês e a Stephanie veio me pedir para falar um pouco mais, coincidentemente no dia em que eu estava me coçando de vontade de fazer exatamente isso depois de encarar uma discussão sobre o assunto no Facebook.
Como o tema é livre, eu vou deixar as coisas fluírem, então este post pode acabar grande e bagunçado. Vou fazer o máximo para organizar e facilitar a vida de todxs.
Eu sou feminista?
A Cíntia Semíramis publicou um teste que criou em 2008, especialmente para você, pessoa que não sabe o que é exatamente o feminismo ou que não gosta do / não concorda com o feminismo por algum motivo, e vou reproduzir aqui, porque ele é bem esclarecedor:
1. Você concorda que uma mulher deve receber o mesmo valor que um homem para realizar o mesmo trabalho?
2. Você concorda que mulheres devem ter direito a votarem e serem votadas?
3. Você concorda que mulheres devem ser as únicas responsáveis pela escolha da profissão, e que essa decisão não pode ser imposta pelo Estado, pela escola nem pela família?
4. Você concorda que mulheres devem receber a mesma educação escolar que os homens?
5. Você concorda que cuidar das crianças seja uma obrigação de ambos os pais? ?
6. você concorda que mulheres devem ter autonomia para gerir seu dinheiro e seus bens?
7. Você concorda que mulheres devem escolher se, e quando, se tornarão mães?
8. Você concorda que uma mulher não pode sofrer violência física ou psicológica por se recusar a fazer sexo ou a obedecer ao pai ou marido?
9. Você concorda que atividades domésticas são de responsabilidade dos moradores da casa, sejam eles homens ou mulheres?
10. Você concorda que mulheres não podem ser espancadas ou mortas por não quererem continuar em um relacionamento afetivo?
Os dez itens acima são alguns exemplos de direitos que foram historicamente negados às mulheres. Alguns já foram conquistados, e outros tantos não. Cada “sim” a uma destas perguntas significa assumir um ponto de vista feminista. Então, se você concorda com os pontos de vista feministas, chega mais e senta pra gente bater um papo. Se você não concorda eu peço encarecidamente que você não pregue ódio cego à feministas e tente entender que nossa luta não tem a ver com supremacia feminina, mas sim a ver com tratar seres humanos com respeito, e sem privilégios ligados ao gênero.
“Ah, mas se não pregam a supremacia feminina, porque chamar de feminismo?” Porque ninguém anula uma carga negativa com uma carga neutra.
“Ah mas as mulheres querem se colocar em posição de destaque.”
Queremos nos colocar na posição que os homens estão – não substituindo-os. A visão é mais ou menos assim: ou homens perdem os privilégios relacionados ao gênero, ou as mulheres conquistam os mesmos privilégios (que então deixam de ser privilégios, já que são acessíveis à todos).
“Mas não tem essa de salários diferentes, se um homem é mais qualificado ele pode receber mais.” Pode. E se uma mulher for mais qualificada que um homem ela também deveria receber mais. Mas quando comparamos o mesmo nível, historicamente o salário masculino é mais alto. (Existia uma ferramenta que expunha os valores praticados no estado de SP. Um exemplo que eu ainda tenho salvo: Jornalistas homens ganham 500 reais a mais que mulheres, economistas homens ganham mil reais a mais que mulheres.)
“Feministas são agressivas.” Algumas são, algumas não são. Assim como algumas pessoas são boas e algumas são más. A agressividade não é uma característica do movimento, mas da pessoa.
Ser feminista não significa descer do salto, abrir mão da depilação, desistir do batom e nem odiar homens. Ser feminista significa querer que mulheres acessem direitos que são restritos aos homens. Seja esse direito de encher a cara e não ser julgado mal por isso, ou receber o mesmo salário quando ocupando a mesma posição com a mesma qualificação.
Porque eu sou feminista
Eu sou feminista porque no verão tenho que decidir o que é pior: Sentir calor ou ouvir cantadas. Porque mesmo que meu pai ajudasse em casa, eu tinha mais obrigações que os filhos da minha madrasta. Porque usar um shorts pode ser provocativo demais. Porque receber a pizza de pijama (mesmo que no inverno) pode passar uma imagem ruim.
Eu sou feminista porque tinha medo de andar na rua depois do anoitecer, e ainda tenho medo de andar na rua depois das 10 da noite. Porque pratiquei natação desde os cinco anos, mas parei por vergonha do meu corpo, menos desenvolvido que das outras meninas da minha idade. Porque não aprendi andar de skate (que eu tanto queria) até meus 15 anos. Porque o que eu gostava mesmo nos showrooms de brinquedos eram as pistas de carrinho, mas ainda assim eu saia com uma Barbie.
Porque quando ando com a minha namorada na rua sei que somos mais fracas que algum potencial agressor homem. Porque quando estou no ônibus sentada e um homem fica de pé ao meu lado eu me sinto acuada o bastante para enfrentar o resto do percurso de pé.
Porque não consigo aceitar que uma menina é estuprada pelo modo como se veste. Porque já fui puxada pelo braço para ficar com um menino quando não tinha nem 14 anos. Porque eu sentia vergonha de comprar absorvente no supermercado e anticoncepcional na farmácia. Porque eu tinha medo de carregar o absorvente até o banheiro da escola porque alguém podia ver.
Porque algumas das bandas que eu gosto têm letras que me ofendem. Porque quando eu me irrito, xingo de “filho da Puta” e logo percebo o erro que cometi (ainda bem). Porque sei que todos os dias mulheres sofrem abusos de todos os tipos caladas. Porque somos bombardeadas de padrões e metas inalcançáveis, físicos ou morais. Porque quando eu volto para a casa do meu pai, depois de seis meses ou mais sem me ver, uma das primeiras coisas que ele me fala é “precisa maneirar um pouco na comida, você engordou bastante”.
Porque ouço quase que diariamente que “mulher tem que se dar o respeito” quando ninguém tem que se dar respeito, todos tem que ter respeito. Porque se uma mulher engravida, ela pode ser abandonada por todos mas não pode tomar a decisão que é melhor para si sobre a gravidez. Porque se a mulher não tiver camisinha ela é vadia, mas se ela tiver ela também é.
Porque quando eu tinha 12 anos e a alça do meu sutiã aparecia por baixo da minha regata eu era prontamente repreendida pela minha mãe. Porque a maior parte das posições de poderes são ocupadas por homens. Porque homens se acham no direito de des-legitimizar a luta feminista, dizendo que feministas são agressivas e chatas.
O mundo é agressivo com as mulheres, meu bem.
É a única forma que sabemos como rebater é gritando.
Gritando por todas as mulheres que já sofreram nas mãos de homens. Gritando pelas mulheres que reproduzem o machismo porque estão cegas (e isso não é culpa delas). Gritando por nós mesmas, que vez ou outra reproduzimos o mesmo comportamento. Gritando de frustração por sermos repreendidas por familiares, por amigos, pela sociedade. Gritando pelas mulheres que morreram pelas mãos do machismo. Gritando pela mudança, gritando pelo respeito que deveríamos ter mas nos foi arrancado. Gritando para quebrar o silêncio ao qual fomos submetidas.
Eu detesto ser feminista
“(…)
Eu detesto ter que ser feminista
mas eu preciso ser
porque eu nasci mulher
e vivo a mercê
se um dia eu tiver uma filha e ela tiver uma filha
eu imploro que não sejam feministas
que o chão desigual que eu piso hoje
enquanto vou pra casa atenta e com as chaves entre os dedos
seja seguro pra elas e pras outras filhas de filhas
Já eu, que azar, não vou ver isso em vida
me restou gritar ainda que não seja ouvida
que eu detesto ter que ser feminista
Mas não sorria vencida, sociedade
que no sangue de outras mulheres busco coragem
pra fazer com que minha neta nunca conheça
o mundo que eu conheci.”
(por Aline Alberti)
Este post faz parte da blogagem coletiva do Rotaroots. Um grupo de blogueiros que querem resgatar a era de ouro de blogosfera. Para saber mais acesse nosso grupo do facebook e o site.
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11 Comentários
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Ana, não conhecia ainda seu blog (quer dizer, blog da Stephanie, mas vc é autora convidada? enfim). Acabei de descobrí-lo no Rotaroots e vim parabenizá-la pelo excelente texto. Li tantas coisas incríveis sobre feminismo hoje e também nos últimos dias, mas é uma pena que ainda tenhamos de aturar tanto chorume. É uma pena se deparar com esses relatos e se identificar em tantos pedaços. Às vezes eu não tenho forças para gritar, a vontade que dá mesmo é de tapar as orelhas e ficar LALALALALA; realmente, podemos até não conseguir mudar o mundo inteiro, mas podemos começar a mudar. Isso é o que eu tento sempre me lembrar, e foi o que seu texto me lembrou também.
Um beijo, e continue na luta o/
Isso haha sou convidade (:
Obrigada pelos parabéns, e nossa, também fiquei super feliz com a quantidade de coisa BOA que li hoje. Foi o primeiro dia das mulheres com mais coisas boas que chorume (pelo menos eu encontrei mais coisas boas…).
Sei como é não ter forças pra lutar as vezes, mas só de estar disposta a aprender e desconstruir o machismo em si mesma já é uma luta válida, mesmo porque é super difícil. Dentro do feminismo cada uma tem seu papel. Tenho irmãs incríveis que são especialistas em tretar com machista babaca, e tem as que são maravilhosas pra ensinar as mulheres, e tem as que militam no facebook, tem as didáticas e tem as que saem na rua, entre tantas outras.
Temos que nos apoiar e nos lembrar sempre que a mudança está aparecendo. Devagar mas está.
Lutamos juntas, sempre!
Seu post é tão todo maravilhoso que eu nem sei qual parte dele comentar… Sério! Digitei várias coisas aqui no campo de comentários e depois fui apagando porque tudo soava vago, soava desnecessário, tá tudo aí já, não precisa de mais nada!!!!
É muito muito gratificante ouvir (ler) isso. Mesmo. Me sinto uma bebê no feminismo quando vejo que tem tantas que sabem tão mais que eu, mas fico muito feliz de poder falar e ter esse tipo de feedback. ♥
Lutamos juntas, sempre!
Oi Ana! Caramba, que sentimento bom que teu texto me passou. Eu também participei dessa blogagem coletiva e agora estou lendo os outros textos, e o teu foi o que mais gostei. Mesmo que tu tenha escrito de uma forma mais “livre”, acho que foi exatamente isso que me cativou. Esses relatos das tuas próprias experiências no meio fazem a gente se sentir mais próximas de ti, porque isso acontece com todas nós. É horrível que tenhamos que nos reprimir para evitar o assédio nas ruas – e que isso nunca adianta, porque assédio não é sobre roupas, é sobre a sensação de poder que os homens sentem ao mexer com nós. É como se eles tentassem nos dizer de todas as formas que a rua não é nosso lugar, que não podemos andar sozinhas por aí, estudar, trabalhar, que devemos ficar quietinhas em nossas casa, no papel que inicialmente foi designado a mulher. E tudo isso em 2015. É realmente triste que ainda tenhamos um enorme chão pela frente. :/
1 beijo!
Pois é, Bruna. Essa “discussão” que eu mencionei que tive no Facebook (que ajudou a desencadear o post) foi justamente por um comentário sobre uma matéria do machismo em meio aos fóruns de gamers. O homem (adulto, branco, privilegiado, com acesso à informação) alegou que se não queríamos ser agredidas deveríamos ficar longe de ambientes que não éramos bem vindas. Mas se for assim, melhor voltarmos todas ao útero de nossas mães (onde, pra algumas mesmo assim não eram um lugar onde eram bem-vindas).
É sempre muito difícil continuar na luta, mas saber que tem tanta gente incomodada por essa luta prova que estamos no caminho certo! Mesmo que ainda haja muito a ser percorrido.
Beijos!
Ótimo post!!! Eu não sou boa em argumentos, então nem me atrevi muito a fazer esse post do Rota, mas tô fazendo minha parte lendo todos =D
Obrigada! <3
Bah Ana, não te vejo a um boooom tempo, e não me recordo em nenhuma das nossas conversas, falarmos sobre isso. Mas obrigada! Tirou uma dúvida que tinha e o texto é simplesmente perfeito. Perfeito para todas as que sentem confusão em relação a isso.
Beijocass!
Lu! Na época eu não fazia ideia do que realmente era o feminismo. Aprendi mais entre o ano retrasado e o ano passado. Por isso mesmo digo que é sempre uma evolução constante. E é muito bom ajudar alguém a tirar essas dúvidas (:
E querendo conversar (sobre isso ou não) é só chamar (:
Beijos!
[…] querem privilégios!” Já falamos disso antes. Gays, lésbicas, bissexuais, trans, e qualquer outra pessoa que não se encaixa no […]